Projeção do Brasil no exterior levará a política externa a ser debatida na campanha eleitoral
Até o momento pouco sabemos a respeito das políticas governamentais atualmente em curso que sofreriam inflexão no caso de vir a ser vitoriosa a oposição nas eleições de outubro. Se a contundência das críticas for uma medida dos alvos de possíveis mudanças, certamente a política externa seria um deles. Como amplamente divulgado, tema chave da linha seguida pelo governo enfatiza a integração latino-americana. Inovações importantes ocorridas nessa política podem assim ser resumidas: 1) adoção de uma concepção de integração que ultrapassa a dimensão comercial, incluindo-se em seu bojo as dimensões social produtiva, energética e de infraestrutura; 2) a construção de instituições regionais, tais como a Unasul e o Conselho de Defesa Sul-Americana cuja função seria a de ampliar a coordenação política entre os diversos governantes envolvidos, além de fomentar uma identidade latino-americana; e, 3) concessão de tratamento diferenciado aos países mais frágeis da região, no sentido de diminuir assimetrias estruturais, como o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM).A oposição tem desdobrado suas críticas em dois eixos: a) o Brasil cumpre o papel de sucker na região (termo sucker advém da teoria dos jogos aplicada a interações sociais. Designa o comportamento de um ator que coopera, mesmo diante da recusa por parte de seu oponente em fazê-lo). Vale dizer, o país coopera incondicionalmente, sem a necessária contrapartida no que tange o comportamento de seus parceiros nos esforços de cooperação regional; b) a agenda latino-americana é partidária, pois atende unicamente aos objetivos do PT, sendo prova disso o estreitamento das relações do governo Lula com presidentes "esquerdistas". (Nesse ponto, o argumento é menos convincente, já que o Brasil tem desenvolvido ótimas relações com governantes não esquerdistas, como Uribe, Alan Garcia e Felipe Calderon).
De todo modo, se a política externa continuar sendo ponto central de diferenciação entre as agendas do governo e da oposição, ao longo do período eleitoral, estamos diante de fato inédito e promissor. Inédito, pois tal política tradicionalmente não faz parte do debate político partidário no Brasil. Promissor porque, devido a vários motivos, em geral relacionados à complexidade de seu objeto, trata-se de área opaca para o eleitor médio, no Brasil e nas demais democracias mais ou menos desenvolvidas.
É saudável, portanto, a introdução desse tema no debate eleitoral, o que de resto, acaba por fazer jus à crescente diversidade de áreas e agentes envolvidos na agenda internacional do país, consequência natural da projeção que o Brasil vem alcançando na cena internacional. Fazer parte da campanha eleitoral significa que os atores políticos vão se ver instados a esclarecer suas posições, a fornecer indicadores, formular cenários e gerar expectativas a partir das quais os eleitores poderão cobrar resultados. Enfim, teremos a chance de vivenciar uma fase de esclarecimento em torno de pontos que são cada vez mais relevantes para a sociedade.
Sabemos mais, contudo, sobre o que poderá vir a ser a política externa no caso de uma vitória das forças governistas do que no caso oposto. Afirmativa, de resto, verdadeira para diversas outras políticas governamentais, já que para o cidadão das ruas, o desempenho corrente é a medida mais próxima e eficiente do comportamento e decisões a serem tomadas no futuro. A oposição se encontra nesse caso em clara situação de desvantagem, pois não estando de posse dos meios de administração não tem como demonstrar qual será sua política caso vença as eleições. Existem maneiras, entretanto, de minimização dessa assimetria, a mais clássica e importante delas é a participação no debate parlamentar, mais especificamente nas comissões especializadas e pertinentes ao tema.
Qual tem sido no Congresso a contribuição dos partidos de oposição ao encaminhamento da agenda internacional? De um lado, temos visto a preocupação em se explicitar posições, esclarecer as várias dimensões das propostas eventualmente em tramitação, propiciar o debate pluralista em torno dos diversos setores nelas envolvidos. Esse certamente foi o caso quando da realização das inúmeras audiências públicas, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores do Senado sobre o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul. De outro, constatamos orientação que pouco esclarece sobre as implicações substantivas dos cursos alternativos de ação no front externo. Exemplo dessa linha de comportamento consiste nas tentativas de obstruir processos corriqueiros de endosso legislativo às indicações feitas pelo Executivo para preenchimento de postos diplomáticos fundamentais, como é o caso do retardo de nomeação dos nossos embaixadores na Venezuela e no Equador.
Questões de política externa possuem dimensões claramente vinculadas ao interesse nacional, como são exemplo, a integridade política e territorial do país e a manutenção da estabilidade e segurança regionais. A delicadeza do problema enfrentado pela oposição no Congresso reside no fato de que ao inserir essa política no debate eleitoral corre-se o risco de forjar divisões naquilo que deve ser objeto de consenso suprapartidário. No caso da política de integração da América do Sul tal risco ainda é mais importante por conta da combinação de dois pontos cruciais a nosso ver: a) a relevância do continente para os interesses econômicos e político-estratégicos brasileiros; e b) a assimetria em termos do peso econômico e político do Brasil face às nações vizinhas.
Nesse contexto, a estratégia obstrucionista da oposição no Legislativo é equivocada. O ideal seria uma crítica propositiva, que insistisse na institucionalização de mecanismos regionais de coordenação da ação coletiva no continente. Instituições capazes de fazer convergir os interesses nacionais brasileiros com os interesses nacionais dos nossos vizinhos.
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