*por Fernando Rizzolo
Muito se fala sobre a questão dos mortos no regime militar e sobre o aspecto de revanchismo contido nas propostas de revisão da Lei de Anistia. Contudo, pouco se fala de um aspecto puramente ético, que quase chega a ser religioso, que ultrapassa os limites ideológicos do passado e presente, que é a dignidade dos mortos. E quando me refiro à dignidade daqueles que já se foram proponho-me a invadir não só a seara do sentimento abstrato da relação entre um ser que se foi e seus familiares, mas essencialmente a do conteúdo espiritual, humano, que deve permear a cidadania num pleno Estado Democrático de Direito.
Não há que se falar em revanchismo, ou amplitude da Lei de Anistia, quando se quer resgatar a dignidade de um morto. Seja ele quem for – sua raça, sua ideologia, seu credo –, deve o Estado dar às famílias dos desaparecidos o direito de saber sobre o seu paradeiro e ao país o direito de conhecer sua história. Por bem, a seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lançou nesta sexta-feira, dia 16/4, uma campanha em defesa da abertura dos arquivos da ditadura militar. O presidente da entidade, Wadih Damous, diz querer o reconhecimento público de que a ditadura não é uma página virada da história. “Temos cidadãos brasileiros que desapareceram como se nunca tivessem existido”, afirma.
Toda história tem um passado, atores de ambas as partes que participaram desse momento histórico, mas o aspecto da dignidade dos mortos, dos locais onde estes se encontram, da necessidade de se oferecer um sepultamento digno a essas pessoas transcende as paixões e os embates de outrora e restabelece uma postura de Estado ético, presente e, acima de tudo, reconhecedor de suas fragilidades, injustiças e excessos. Desse modo, jamais podemos nos omitir em fornecer os instrumentos de que dispomos para concretizar esse intuito, como a abertura dos arquivos da repressão política na ditadura militar.
Todo esse resgate não é apenas político, revanchista, de caráter ideológico, mas saudosista. Alguns sabem e podem ajudar a tornar real a tão sonhada dignidade do descanso a que qualquer ser humano tem direito, não pelo que pensou ou lutou, mas apenas porque viveu e sem ninguém notar desapareceu.
Fernando Rizzolo é advogado, pós-graduado em Direito Processual, mestrando em Direito Constitucional, professor do Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Paulista (Unip). Participa como coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, é membro efetivo da Comissão de Direito Humanos da OAB/SP, foi articulista colaborador da Agência Estado, e editor do Blog do Rizzolo - www.blogdorizzolo.com.br
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