quinta-feira, 1 de julho de 2010

A falsa história nas escolas militares (III)

Urariano Mota

Eu já me havia prometido não mais voltar ao assunto. Melhor dizendo, volver, nunca mais. Mas prometo que esta será a última vez, ainda que o assunto não se esgote aqui.

E por que volto? Meia-volta faço porque nesta semana fui honrado pelo senhor Hiram Reis, coronel e professor do Colégio Militar de Porto Alegre, que escreveu uma catilinária em que divulga até o meu email, para melhor chamamento à ordem do colunista. Na parte de interesse público, depois de chamar este autor de alienado, idiotizado, o professor toca em questões mais graves, como estas:
“Atualmente, o Colégio Militar de Porto Alegre é a única escola de educação básica do País a possuir um observatório astronÿmico (Observatório Capitão Parobé) dotado de um telescópio robótico de última geração...

Seus formandos têm o mais alto índice percentual de aprovação no vestibular da UFRGS entre as escolas gaúchas (42% em 2005, 44% em 2006, 44,79% em 2007, 61,11% em 2008, 48,70% em 2009 e 57,45% em 2010)...


Do ‘Colégio dos Presidentes’ saíram as únicas duas gaúchas selecionadas para integrar as respectivas turmas p ioneiras de mulheres da Aeronáutica..”

E por aí segue. Entenderam? A uma crítica dirigida ao nível da História ensinada aos alunos militares, o professor coronel responde com as glórias do Colégio Militar em outros campos, que em nenhum momento entraram em discussão. Para concluir, muitos parágrafos depois: “Desafio o Sr. Urariano Mota a apresentar outra Escola Pública que apresente resultados similares aos do nosso querido ‘Casarão’, que jamais tenha desencadeado qualquer tipo de movimento ‘grevista’, que no dia do seu aniversário seja capaz de fazer que seus ex-alunos, jovens e sexagenários, civis e militares, desfilem emocionados e saud osos”


Meu Deus, o sentimento de casta expresso acima é constrangedor. O coronel professor quer um ranking, uma guerra entre escolas públicas, para saber qual a melhor. Todos amam a escola de juventude, coronel. Eu mesmo passei pelo glorioso Alfredo Freyre, de um subúrbio recifense, onde jamais tivemos observatórios, com exceção dos olhares que dirigíamos às pernas da professora Janita. Nesse colégio tivemos um mestre insuperável, um formador de consciências, o professor Arlindo Albuquerque, espancado e preso pelos militares no primeiro de abril de 1964. Que feito indelével, histórico, existe maior que esse? Que cois a bela era o mestre a declamar “Sur la liberté de la conscience”.

O professor Arlindo não entra aqui por acaso. Ele faz parte da história que é oculta, filtrada e corrigida dos alunos das escolas militares. Ele vem ainda porque nos ensinou que a nossa pátria não é a maior nem a melhor nem a mais perfeita. A nossa pátria é apenas o lugar onde nascemos e sentimos o gosto de feijão e do primeiro beijo. Que a nossa pátria, assim, é a própria humanidade, aquela que passa por Rousseau, o escritor que o mestre Arlindo nos lia em voz alta e flamejante a nos ensinar que todos os homens são iguais na terra.

O espaço está no fim e quase encerro sem dizer que esta semana, por dever de ofício, me vi obrigado a ler três livros da Biblioteca do Exército: O revisionismo histórico brasileiro, de Maya Pedrosa; A chama da nacionalidade, de Marco Antonio Cunha; e.... Não somos racistas, do filósofo Ali Kamel. Sim, o livro do pensador da Globo. Iria ler, da Biblioteca do Exército ainda, o Poderosos e Humildes, do simpático Vernon Walters, que recebe esta apresentação:
“O autor, bastante conhecido no Brasil, é pessoa da absoluta confiança de vários presidentes do Estados Unidos, dos quais recebeu uma série de missões de salvamento no plano internacional. Esta é a obra de um hábil contador de histórias, com qualidades de analista, desenvolvidas nos serviços de inteligência americanos, no exército e no serviço diplomático”.

Não seria mais simples apresentá-lo como o homem da CIA no Brasil, no golpe de 1964? Melhor terminar com um questionamento do historiador J. F. Maya Pedrosa, extraído do Revisionismo histórico brasileiro:

“É conveniente ao processo de educação a doutrinação política, a interpretação da história com finalidade de indução ideológica ou partidária?”

Entenderam? Como isso é irÿnico. O historiador faz essa pergunta contra a falsa história nas escolas civis! Mas não deixa de ser curioso. Entre aspas e acima está o novo gênero de pergunta que é uma arma - puro bumerangue.

(Publicado no Direto da Redação, http://www.diretodaredacao.com/)

Um comentário:

Omega Zero X Advent disse...

Não sou contra as escolas públicas, de fato, sou a favor delas, ou era, até perceber que para se conseguir uma boa educação deve-se pagar para que outras pessoas possam estudar, visto que apenas em colégios particulares se consegue um nível de ensino de alguma qualidade.
Sou um ex-garança, ou, para os leigos, ex-aluno de colégio militar, porém do estado revolucionário de Minas Gerais, e concordo com a posição do coronel, que apenas comparou a Casa, que é uma escola pública também, em que pôde ensinar jovens com as outras escolas em resposta aos fatos que observa constantemente.
Sim, a educação pública geral é falha, pois temos um sistema de governo que gerencia perfeitamente suas finanças.
Não vou continuar pra não prolongar demais, apenas deixo o comentário acima como ponte de partida para alguma discussão construtiva.