segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Lei da Mídia: razões, entraves, detalhamento e viabilização

Eduardo Guimarães: Recentes declarações de lideranças petistas como o ex-ministro José Dirceu de que o governo Dilma Roussef pretenderia enviar ao Congresso, até o fim deste ano, projeto de lei sobre o marco regulatório da comunicação exige que se aprofunde esse debate. Até hoje, o tema regulação da mídia vinha sendo tratado pelo seu aspecto político, mas parece ter chegado a hora de ser tratado como possibilidade concreta.
Houve tempo em que jamais se cogitaria discutir, por exemplo, uma Comissão da Verdade que esclarecesse crimes ocorridos durante a ditadura militar, e hoje já se discute se ela terá mais ou menos poderes e se terá profundidade suficiente. Nãos se discute mais se será criada, porém. Devido à enormidade desse passo de se conseguir ao menos discutir os crimes da ditadura, parece necessário discutir, passo a passo, os quatro fatores que envolvem a regulação da mídia brasileira.

Os quatro fatores referentes ao arcabouço jurídico-institucional das comunicações são as razões para que seja criado, os entraves para sequer discuti-lo, os detalhes do que seria uma “leia da mídia” e, finalmente, a idéia sobre como se pode viabilizar uma discussão muito mais difícil do que a da Comissão da Verdade, que terá apenas conseqüências políticas enquanto que a regulação da mídia teria enormes desdobramentos econômicos, políticos e sociais.
Vamos a esses fatores, pois.
Por que criar uma lei da mídia?
A grande dificuldade de se elaborar e aprovar uma lei da mídia reside no fato de que a comunicação, no Brasil, transformou-se em uma sucessão de feudos controlados por empresas familiares e que concede a esse reduzido grupo de empresários um poder político que paira sobre a sociedade com poderes extraordinários.
As faixas de onda da mídia eletrônica (tevês e rádios, sobretudo), por serem concessões distribuídas pelo governo, ao longo do século XX foram entregues a grupos políticos que pretendiam se perpetuar no poder valendo-se do poder que a comunicação concede a quem a controla, o poder de decidir o que a sociedade deve ou não saber e de influir e pautar costumes e a própria cultura popular.
Por conta disso, suspeita-se de que muitos grandes meios de comunicação sejam alimentados por verbas imensas que nem dariam retorno financeiro proporcional aos investimentos. Entretanto, devido ao poder político que uma televisão ou uma rádio concedem aos seus controladores valeria a pena investir nesses meios de comunicação para obter outro tipo de retorno mais valioso do que dinheiro.
Em São Paulo, por exemplo, o governo do Estado acaba de investir 9 milhões de reais em compra de assinaturas de jornais e revistas politicamente alinhados com o partido do governador Geraldo Alckmin. A contrapartida para essa generosidade de comprar tanto material impresso para escolas em que muitas vezes falta até o básico de tudo, desde instalações até professores, mostra que o retorno do investimento em mídia não se resume ao resultado das operações daquela empresa de comunicação, mas dos favores daqueles aos quais a mídia presta “serviços”.
Essa é a razão pela qual todas as democracias mais avançadas tratam de impedir que a comunicação se concentre nas mãos de poucos e que políticos controlem concessões públicas de rádio e tevê, além de proibirem que um mesmo grupo econômico tenha meios eletrônicos e impressos simultaneamente.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil e no qual poucos empresários controlam tantos meios de comunicação ao mesmo tempo, a opinião deles e seus interesses econômicos, comerciais e políticos acabam se tornando lei por disporem de meios inclusive de chantagear a classe política e os governos municipais, estaduais e o governo federal, pois se as vontades midiáticas não forem feitas poder-se-á ou negar espaço a políticos e a administrações públicas ou até difamá-los sem que os prejudicados tenham como reclamar, pois estarão amordaçados.
Assim sendo, é lícito dizer que a comunicação não difere, por exemplo, do setor supermercadista. Como todos se lembram, há pouco tempo foi amplamente divulgado que estaria havendo risco de concentração de propriedade de grandes redes de supermercados, o que iria gerar risco maior de os grandes grupos imporem preços mais altos ao consumidor caso este tenha poucas alternativas de compra.
Com a comunicação é a mesma coisa. Todavia, a sociedade não se dá conta de que a concentração de propriedade neste ou naquele segmento de mercado não difere da concentração de propriedade de meios de comunicação. As pessoas se acostumaram a ter poucas fontes de informação e passaram a julgar normal que um grupo empresarial como as Organizações Globo controle o que lêem, assistem e ouvem, pois controla revistas, jornais, tevês, rádios e portais de internet. Tudo ao mesmo tempo e na mesma região.
Um exemplo bem esclarecedor e de fácil assimilação pelo cidadão comum de como a concentração de propriedade de meios de comunicação afeta negativamente a sua vida – e que foi usado com muito sucesso na Argentina, quando implantou a sua lei da mídia – diz respeito ao futebol, esporte cuja importância no cotidiano dos brasileiros dispensa comentários.
Os jogos dos campeonatos nacional e regionais são comprados pela Globo e esta consegue, com o poder de transmiti-los quando e como quiser, impor um horário para que sejam realizados que obriga o cidadão que levanta cedo no dia seguinte a ficar até próximo da meia noite acordado. Se os jogos fossem ao ar mais cedo, atrapalhariam a programação da emissora, sobretudo a novela das oito. Assim, a Globo faz o cidadão se adaptar às suas necessidades e os clubes obedecerem às suas ordens.
Mas a comunicação em poucas mãos é danosa à sociedade em muitos outros aspectos. Por exemplo, nas relações trabalhistas. Recentemente, foi aprovada uma lei justa que concede aviso prévio maior para quem trabalha há mais tempo em uma empresa. Essa lei foi bombardeada pela imprensa, que, obviamente, falava em nome do patronato, ou dos anunciantes. Apesar disso, foi aprovada. Mas foi exceção.
Uma das leis trabalhistas mais necessárias em um país como este é a que reduziria a jornada de trabalho. Em centros urbanos como São Paulo, por exemplo, em que se gastam horas para ir ao trabalho e voltar, a jornada de 48 horas semanais é desumana. Grande parte da população não pode dedicar praticamente tempo nenhum dos seus dias a si mesma. Apesar disso, a mídia impede qualquer tentativa de discutir o assunto, que é sempre tratado como danoso para o próprio trabalhador e fim de conversa.
A razão de fundo para o Brasil vir a ter um marco regulatório que impeça a concentração de propriedade de meios de comunicação, portanto, é a de que enquanto poucos controlarem esses meios a democracia não funcionará de verdade, pois essa concentração resulta em cassação do debate sobre os temas que desagradam aos grandes grupos econômicos.
Entraves à Lei da Mídia
Para que se possa mensurar a dificuldade de se implantar no Brasil uma legislação para a mídia à altura das leis que existem hoje não só nos países mais importantes daqui da América do Sul, mas em praticamente todos os países mais desenvolvidos, é de natureza política e econômica. Imagine-se o que seria a Globo ter que se desfazer de parte de seu império.
Uma regulamentação da mídia igual à que existe nos Estados Unidos, por exemplo, impediria que a Globo tivesse tevê, rádio, revistas, jornais e portais de internet não só nas regiões menos povoadas mas também em São Paulo, no Rio ou em outros grandes centros urbanos. Nos EUA, a Globo teria que se desfazer da maioria de seu império, assim como aqui não se permite que uma única rede de supermercado controle metade das lojas de varejo.
Ocorre que a Globo tem, além do poder de comunicar, de calar ou de dar voz, o poder político. Tem na mão o PSDB, o DEM e o PPS e suborna o PSOL com uma exposição que jamais teria para que se junte à cantilena dos outros partidos contra o PT. Assim sendo, consegue impedir a discussão do marco regulatório da mídia simplesmente qualificando-o como desejo de alguns “petistas” autoritários de “censurar a imprensa”. Por conta disso, não se permite que alguém apareça em uma grande televisão ou em um grande jornal defendendo a Lei da Mídia, explicando do que realmente se trata.
Apesar de haver um forte sentimento pela adoção de uma legislação dessa natureza no Congresso Nacional, não se pode esquecer que a cultura brasileira nas comunicações doou tevês e rádios regionais a políticos influentes, o que formou uma forte bancada suprapartidária que não aceita sequer discutir uma lei que fatalmente impediria que políticos tivessem meios de comunicação. Até para não terem vantagem injusta sobre seus adversários.
Hoje, esses meios de comunicação entregues a políticos concentram-se no PMDB, no PSDB e no DEM. O resto do espectro político-partidário também tem seus veículos, mas a parte do leão é controlada por esses partidos. Ou seja: mesmo entre as hostes governistas, francamente favoráveis à regulação da mídia, há quem não aceite lei alguma para moralizar a propriedade de meios de comunicação no Brasil.
O que é a Lei da Mídia?
Chega-se, portanto, ao ponto crucial. Esta é a discussão que a direita brasileira tenta travar e impedir a todo custo, pois se fosse explicado à sociedade o que conteria a legislação que se quer aprovar, não haveria quem ficasse contra. Aliás, não é por outra razão que em países como a Argentina, por exemplo, a maioria esmagadora da população apoiou a criação da “ley de médios” e se diz satisfeita com ela.
No país vizinho, estão sendo distribuídas centenas de tevês e rádios e a propriedade de meios de comunicação está se desconcentrando rapidamente. Todavia, a Globo argentina, o Grupo Clarím, ainda está conseguindo resistir a vender parte de seu oligopólio graças a recursos à Justiça.
Apesar disso, o melhor exemplo de que a “lei de médios” argentina não gerou qualquer tipo de censura à imprensa local está em matéria recente nessa imprensa que veiculou uma notícia sem qualquer comprovação e até um tanto quanto inverossímil, de que a presidente Cristina Kirchner teria gasto 100 mil dólares em sapatos.
Não há censura, na Argentina. Há regras como as que vigem em qualquer país civilizado e democrático e há disseminação de opções. Ou seja, com o tempo o argentino poderá escolher múltiplas fontes de informação e inclusive poderá comparar opiniões divergentes e saber de fatos como os que, no Brasil, é impossível saber.
São Paulo, por exemplo, é um dos Estados que tem sofrido forte piora na qualidade de vida, que vem perdendo importância e peso na formação do Produto Interno Bruto (PIB), que sofreu forte redução de renda per capita, no qual a violência e a criminalidade subiram a níveis estratosféricos de 1995 para cá, apesar de nos últimos anos ter havido redução dos índices, que vêm sendo questionados e até acusados de manipulação…
Não faz muito tempo, por exemplo, que o portal de internet UOL, que pertence ao Grupo Folha, veiculou matéria que insinuava que as enchentes e mortes ocorridas na capital paulista no início do ano derivaram de o governo José Serra ter reduzido drasticamente as obras de limpeza do rio Tietê entre 2007 e 2010, e que no ano passado os gastos com publicidade aumentaram exponencialmente em medida similar à redução das obras naquele rio. A matéria ficou poucas horas no ar e não foi tratada por nenhum veículo da imprensa escrita paulista.
A Lei da Mídia que se pretende, portanto, permitiria que escândalos assim não fossem abafados. Ou seja: o que se quer não é que a mídia fale menos, mas que fale mais. Sobretudo aquilo que não diz para atender aos seus aliados políticos ou parceiros comerciais.
A desconcentração da propriedade de meios de comunicação certamente tornaria praticamente impossível que o governo paulista expedisse uma ordem para sumir com uma matéria da imprensa. Mudanças na legislação trabalhista, políticas públicas de interesse da sociedade mas que não interessam aos grandes grupos econômicos, enfim, é infindável o cabedal de benefícios que a sociedade colheria.
Se a Globo optasse – e certamente optaria – por manter as televisões, teria que abrir mão das rádios, dos jornais, das revistas e dos portais de internet. E teria, como nos EUA, um limite de audiência. Nenhuma rede de televisão pode ter mais do que cerca de 30% da audiência, naquele país. Aqui, acharíamos um nível adequado. Provavelmente nesse patamar.
Na Inglaterra, já se discute até regulação da imprensa que não é feita através de concessão pública, a imprensa escrita. Até há pouco, antes do escândalo na imprensa local que mostrou práticas criminosas que no Brasil são comuns, aquele país adotava, nesse segmento, a auto-regulação. Isso deve mudar. Haverá um controle externo para inibir, por exemplo, escutas ilegais ou mesmo invasão de domicílio por “jornalistas”.
Nos países do dito primeiro mundo, a fiscalização sobre a imprensa aumenta exponencialmente nos períodos eleitorais. Por exemplo: há comitês que fiscalizam se um grupo de mídia não está expondo acusações (comuns em períodos eleitorais) contra alguns e escondendo contra outros. Ou seja: não haveria impedimento a que a Globo noticiasse o caso Erenice Guerra, ano passado, mas a emissora seria penalizada por ter escondido os negócios da filha de José Serra com a irmã de Daniel Dantas.
Outro abuso da mídia brasileira diz respeito ao direito de resposta. Hoje, por exemplo, um grande jornal pode fazer a acusação que quiser a qualquer um e essa pessoa não tem direito nem ao menos de dizer naquele mesmo veículo a sua versão dos fatos, se o tal jornal não quiser. E isso acontece o tempo todo.
Para se conseguir um direito de resposta, então, será preciso ingressar na Justiça e a obtenção desse direito pode demorar anos, caso aquele indivíduo tenha recursos financeiros suficientes para sustentar por tanto tempo um dispendioso processo judicial. Por conta disso, a mídia destrói reputações, causa danos imensos a pessoas acusadas por ela e depois, apesar de não provar a acusação que fez, não acontece nada. E as vidas das pessoas vão sendo destruídas pelo caminho.
Onde está, então, a censura? É censura querer dar ao público daquele veículo uma outra versão para a história que ele contou?
Como tornar viável a Lei da Mídia
O principal entrave para regular a comunicação sem regras que há no Brasil reside no fato de que muitos deputados e senadores que votariam a Lei da Mídia são proprietários de meios de comunicação e essa lei fatalmente os privaria desse poder político imenso. Todavia, é a minoria da minoria dos parlamentares que detém tais meios. Resta saber, portanto, quão grande é a influência que parlamentares “com-mídia” exercem sobre seus pares “sem-mídia”.
De qualquer forma, uma campanha publicitária ampla explicando à sociedade o que seria a Lei da Mídia poderia desmascarar a campanha midiática e dos partidos de oposição ao governo Dilma – e até de alguns aliados – que tenta tachar como “censura” uma legislação que todos os países democráticos têm. Contudo, o governo pode sofrer um forte ataque midiático se levar essa campanha à frente e corre o risco de dividir a base aliada.
Recentemente, portanto, surgiu a idéia de promover um “plebiscito” sobre a Leia da Mídia. Isso impediria que interesses de parte da própria classe política no oligopólio das comunicações, prevalecessem. Na verdade, não seria bem um plebiscito. Teria que ser um referendo a um projeto de lei enviado ao Congresso pelo governo ou que fosse criado pelos parlamentares.
Como foi feito em relação às armas, o referendo permitiria um “horário eleitoral” na tevê no qual os que são contra e a favor daquele projeto de regulação da mídia expusessem as suas razões, e que vencesse quem tivesse os melhores argumentos. Todavia, entre os defensores da Lei da Mídia há quem não goste da idéia.
Segundo os opositores da proposta de um referendo à Lei da Mídia, os grandes meios de comunicação desencadeariam uma campanha contrária que tornaria desigual a disputa pelo voto popular. Parece bobagem. Não se faria nada mais ou nada menos do que se fez em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização e, como todos sabem, hoje a mídia só consegue fazer o povo votar como ela quer em São Paulo.
Uma campanha que discutisse a regulação da comunicação dessa forma certamente desembocaria na aprovação da legislação, pois os argumentos são fortíssimos. A parcela da população que escuta ou lê a mídia dizendo que os petistas querem censurá-la nem faz idéia de que a lei que se propõe existe em todos os países mais democráticos. E não sabe dos malefícios que a ausência dessa lei lhe causa.
Na verdade, a iniciativa de submeter uma Lei da Mídia à vontade do povo nem precisa partir do governo Dilma, apesar de que se o projeto de lei partisse do Poder Executivo chegaria mais forte ao Congresso. E é nesse ponto que reside a grande esperança de este país moralizar sua comunicação, pois só uma grande comoção popular esvaziaria uma pauta que vai tomando o Legislativo. Algo assim como grandes marchas contra a corrupção…

Um comentário:

Luiz disse...

Eis o maior absurdo que vi em toda a minha vida:

http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/extrema-direita-universitaria-se-alia-a-skinheads/n1597226175495.html

Simplesmente não da para acreditar. E o pior de tudo é que a juventude do PSDB, segundo o artigo, esta propondo uma aliança com eles.