Blindado da Marinha desce a Av. Niemeyer: alguma coisa está fora da ordem... |
Quais as consequências do egoísmo?
Basta ver o que o Estado brasileiro está precisando fazer para retomar áreas dominadas por criminosos no Rio de Janeiro. Os canhões, os tanques de guerra e as centenas de soldados armados nada mais são do que a UTI móvel necessária para o procedimento de emergência. A doença é grave e foi alimentada durante 500 anos de abandono.
Como conceber o uso de força de guerra para entrar numa comunidade encravada entre os bairros da Gávea e de São Conrado? Como o estado foi capaz de deixar que tantos bandidos se juntassem e se armassem a ponto de organizar ali um governo paralelo, com suas próprias leis e sua vara de execuções penais. Eu disse vara? Leia-se vala.
A maioria de nós não tem ideia da miséria que campeia nas favelas brasileiras. Escolas caindo aos pedaços, professores desestimulados e mal preparados, postos de saúde ineficientes, esgoto a céu aberto, barracos insalubres, desemprego e subemprego.
Foi isso que nossa elite, a mais egoísta do mundo, construiu ao sonegar oportunidades a seus semelhantes durante décadas e décadas. Apoiou governos concentradores de renda, governantes que se esmeraram em negar cidadania a gerações e gerações. Em 1989, pesquisa mostrou que o percentual de lucro no Brasil era a maior do planeta. Passaram-se 22 anos, idade de muitos marginais de hoje que eram bebês naquela época.
Não é de espantar que tantos tenham optado pelo caminho do crime. E não é de espantar que milhares estejam se suicidando nas cracolândias. O crack é a ponta do iceberg da desesperança. É uma geração inteira jogando a toalha e dizendo que não quer mais viver. Não por acaso, a maioria das vítimas dessa epidemia entorpecente nasceu em favelas. Só estão dizendo ao mundo que, nos papéis que lhes deram, não querem mais brincar.
Agora, a mídia tucana trata a tomada da Rocinha como se aquela área tivesse acabado de ser descoberta. Como se seus moradores fossem uma tribo indígena só agora encontrada pelo homem branco. Quanta hipocrisia. Há décadas aquelas pessoas estão lá, pedindo socorro e só agora, quando os efeitos colaterais da miséria ameaçam as compras da classe média nos shoppings, é que resolveram "resgatar" aquela região. Conversa fiada, estão apenas tentando salvar sua própria pele e os rolex que ostentam em seus pulsos.
Depois da fuga dos bandidos, mandam para a gigantesca favela uns três caminhões de coleta de lixo, um trailer para emissão de carteiras de identidade ou de trabalho e acham que vai ficar tudo bem. Talvez instalem também alguns postes de luz e tubulações de esgoto nas ruas principais.
Com isso, acham que as coisas estarão resolvidas. Tudo perfeito para que os turistas estrangeiros curtam a Copa do Mundo e a Olimpíada no Brasil sem medo de levar uma bala perdida de fuzil no meio da ideia.
Os comentaristas dos jornais e revistas tucanos atiram todas as pedras que têm no Bolsa Família, mas tratam os moradores das favelas recém-ocupadas pela polícia como incapazes que precisaram ser salvos das garras da bandidagem. Na verdade, sempre foram vítimas da falta de atenção de governos tutelados pelos eternos detentores dos meios de produção e de comunicação.
Os moradores da Rocinha não são vítimas dos bandidos, sempre foram vítimas dos que agora se autoproclamam seus salvadores.
Outra história da carochinha da qual tentam nos convencer é a de que o Estado não levava educação, saúde etc às favelas porque os marginais que se estabeleceram nelas não deixavam. É exatamente o contrário: as bocas-de-fumo cresceram e se fortaleceram ali justamente porque era uma região aonde o poder público nunca ia. Ninguém é besta de montar boca na Avenida Vieira Souto ou na Paulista, porque o Estado sempre esteve lá. É mais seguro transgredir em Manguinhos ou no Capão Redondo. E a Casa Grande só passou a se preocupar com a senzala quando dela começaram a vir tiros de AR-15 e de AK-47.
Para os moradores do Leblon, essas pessoas prestam para servi-los nos bares e restaurantes e para lavar seus banheiros, mas não para viver dignamente, se densenvolver, fazer uma faculdade e, que heresia, competir com os filhos da elite dourada no mercado de trabalho.
Se agora precisamos de tanques de guerra para entrar nesses bolsões de miséria, esses blindados nos dão a exata dimensão do quanto fomos egoístas e insensíveis (mesmo lhes dando roupas e brinquedos velhos em época de Natal).
Vamos ver o que daremos a essa gente toda agora além de novos fuzis a intimidá-los e de novos xerifes a tomarem conta de suas vidas.
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