Por Vinicius Wu - RS Urgente:
Há uma relação sutil – mas articulada e profunda – entre o desprezível artigo de autoria de Paulo Santana, publicado na Zero Hora de 29/12/14, a ainda recente violência cometida contra o Goleiro Aranha, do Santos, o incêndio no CTG de Santana do Livramento, as ofensas ao arbitro Marcio Chagas e outros episódios de racismo e intolerância ocorridos no Rio Grande do Sul nos últimos meses. Não se tratam de episódios isolados, eles se comunicam. São o subproduto de uma lógica cultural, legitimada por setores da grande mídia, políticos conservadores e representantes de uma parcela decadente da elite intelectual local. Ela não representa o conjunto da sociedade gaúcha, naturalmente, mas tem força suficiente até mesmo para influenciar disputas eleitorais. Compreender esse processo é fundamental para refletirmos sobre o futuro do estado.
A influência positivista na formação política e cultural do Rio Grande do Sul cristalizou na tradição política local uma tendência à constante interpretação e reinterpretação da história e dos diversos aspectos que compõem o mito fundador do povo gaúcho. As forças políticas que disputam a hegemonia no estado, até hoje, confrontam interpretações distintas a respeito de uma origem mítica sob a qual se assenta o imaginário do povo riograndense. Essa é uma característica singular da disputa política no estado.
Historicamente, a construção do imaginário, em qualquer comunidade de cidadãos, tende a se tornar objeto de uma disputa entre as diferentes visões de mundo que se confrontam em um determinado território. Como observa José Murilo de Carvalho, é por meio do imaginário que se pode acessar as esperanças e os medos de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades coletivas, seus adversários e seus objetivos comuns. Os símbolos, os mitos de fundação, os rituais de um povo são peças chaves à compreensão de qualquer sistema de poder.
Relações de dominação e controle podem encontrar na manipulação do imaginário um suporte decisivo ao projetar no inconsciente coletivo a preservação de interesses e cristalizar sensações de insegurança e medo. O Rio Grande do Sul vive intensamente essa disputa pelo imaginário local.
Desde cedo, uma parcela das elites econômicas locais buscou absorver essa dimensão da disputa política, visando assegurar, para si, o monopólio da interpretação da história e da cultura gaúcha. Há diversos autores que debatem essa questão e não convém aqui discorrer demasiadamente sobre esse processo. O que importa, de fato, é a constatação de que há uma evidente tentativa de apropriação da narrativa histórica a respeito da identidade gaúcha, que se articula com certas estruturas de dominação, cuja legitimação repousa sobre um pretenso monopólio do discurso sobre a tradição.
Essa narrativa, para afirmar sua hegemonia, precisa aniquilar os discursos alternativos; ela se inclina à uniformização, ao sufocamento das diferentes possibilidades de interpretação da história do povo gaúcho. Exatamente por isso, os Lanceiros Negros, que poderiam servir a uma profunda reorganização das bases sob as quais a historiografia nacional aborda o tema da luta pela abolição, são sistematicamente negligenciados pelo discurso oficialista conservador.
Engana-se quem acredita que esse é um debate meramente acadêmico. Há implicações diretas sobre a disputa política local, sobre o tema da propriedade da terra no estado e sobre a legitimidade de políticas de afirmação do direito dos negros gaúchos. A luta dos quilombolas nos informa o quanto esse tema é atual.Há uma relação sutil – mas articulada e profunda – entre o desprezível artigo de autoria de Paulo Santana, publicado na Zero Hora de 29/12/14, a ainda recente violência cometida contra o Goleiro Aranha, do Santos, o incêndio no CTG de Santana do Livramento, as ofensas ao arbitro Marcio Chagas e outros episódios de racismo e intolerância ocorridos no Rio Grande do Sul nos últimos meses. Não se tratam de episódios isolados, eles se comunicam. São o subproduto de uma lógica cultural, legitimada por setores da grande mídia, políticos conservadores e representantes de uma parcela decadente da elite intelectual local. Ela não representa o conjunto da sociedade gaúcha, naturalmente, mas tem força suficiente até mesmo para influenciar disputas eleitorais. Compreender esse processo é fundamental para refletirmos sobre o futuro do estado.
A influência positivista na formação política e cultural do Rio Grande do Sul cristalizou na tradição política local uma tendência à constante interpretação e reinterpretação da história e dos diversos aspectos que compõem o mito fundador do povo gaúcho. As forças políticas que disputam a hegemonia no estado, até hoje, confrontam interpretações distintas a respeito de uma origem mítica sob a qual se assenta o imaginário do povo riograndense. Essa é uma característica singular da disputa política no estado.
Historicamente, a construção do imaginário, em qualquer comunidade de cidadãos, tende a se tornar objeto de uma disputa entre as diferentes visões de mundo que se confrontam em um determinado território. Como observa José Murilo de Carvalho, é por meio do imaginário que se pode acessar as esperanças e os medos de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades coletivas, seus adversários e seus objetivos comuns. Os símbolos, os mitos de fundação, os rituais de um povo são peças chaves à compreensão de qualquer sistema de poder.
Relações de dominação e controle podem encontrar na manipulação do imaginário um suporte decisivo ao projetar no inconsciente coletivo a preservação de interesses e cristalizar sensações de insegurança e medo. O Rio Grande do Sul vive intensamente essa disputa pelo imaginário local.
Desde cedo, uma parcela das elites econômicas locais buscou absorver essa dimensão da disputa política, visando assegurar, para si, o monopólio da interpretação da história e da cultura gaúcha. Há diversos autores que debatem essa questão e não convém aqui discorrer demasiadamente sobre esse processo. O que importa, de fato, é a constatação de que há uma evidente tentativa de apropriação da narrativa histórica a respeito da identidade gaúcha, que se articula com certas estruturas de dominação, cuja legitimação repousa sobre um pretenso monopólio do discurso sobre a tradição.
Essa narrativa, para afirmar sua hegemonia, precisa aniquilar os discursos alternativos; ela se inclina à uniformização, ao sufocamento das diferentes possibilidades de interpretação da história do povo gaúcho. Exatamente por isso, os Lanceiros Negros, que poderiam servir a uma profunda reorganização das bases sob as quais a historiografia nacional aborda o tema da luta pela abolição, são sistematicamente negligenciados pelo discurso oficialista conservador.
O Rio Grande do Sul, a exemplo do restante do Brasil, é um território de encontro de diferentes etnias, idiomas, culturas, práticas comunitárias e simbologias. A anulação dessa diversidade é uma estratégia deliberada do conservadorismo político, que, ao anular, a diversidade cultural, pavimenta o caminho para anular a também a diversidade da cidadania.
Felizmente, a ação uniformizadora dos grupos econômicos dominantes sempre foi objeto de contestação e de uma resistência política intensa, que foi capaz de afirmar no imaginário riograndense o lugar dos “de baixo”, apesar das evidentes tentativas de anulação. A força da cultura afro-brasileira, a obstinação de sua religiosidade, incrustou, de forma irreversível, a presença negra na mitologia gaúcha.
O associativismo, a cultura da cooperação, em grande medida, herdada do protestantismo sobreviveu no seio das comunidades de imigrantes, colonos e povos aqui instalados para extravasar seu componente transformador em uma estrutura política peculiar, responsável por uma cultura de participação invejável.
O PT gaúcho foi buscar – talvez inconscientemente – nessa tradição associativista, a energia impulsionadora de um dos experimentos democráticos mais arrojados que se tem registro no Brasil do século XX, o Orçamento Participativo. Essa é a riqueza transformadora do povo gaúcho contra a qual se batem os conservadores, que buscam tomar para si o monopólio da narrativa sobre a formação do Rio Grande.
Os episódios recentes – do goleiro Aranha ao incêndio do CTG e, agora, o abjeto artigo de Paulo Santana – nada mais são do que a sequencia dessa longa disputa pelo imaginário, que ainda opõe dominantes e dominados, oprimidos e opressores, monopólios da informação e vozes que defendem a verdadeira liberdade de expressão.
Sim, minha gente – gostemos ou não – é tudo disputa política. Ao propor assertivas do tipo “não somos racistas” ou “isso é natural num jogo de futebol”, certos mandaletes do conservadorismo mandam o seu recado à turba: – não se metam a rediscutir nossa história! Deixem nossos representantes no parlamento seguir dizendo que índio, negro, gays e todo o resto são “tudo o que não presta”. Afinal, quem não presta não tem direito. Deixem o velho e consagrado (sic) colunista discorrer sobre suas inúteis impressões a respeito do Uruguai. Não vamos discutir o racismo, esse ente abstrato, que ninguém vê.
Sigamos jogando pra debaixo do tapete as irrupções de ódio e deixemos, também, que políticos e certos “formadores de opinião” permaneçam aproveitando-se dele para angariar votos, audiência e prestigio social.
O episódio do artigo deplorável se relaciona com o episódio do goleiro Aranha, que por sinal o mesmo colunista fez questão de relativizar na oportunidade. Era visível que estava em jogo, na ocasião, muito mais do que a luta contra o racismo nos estádios. Estamos diante de uma disputa decisiva pelos direitos fundamentais de amplas parcelas da sociedade. Os arautos do atraso querem negar nossos déficits de cidadania e democracia, afirmando que tudo é natural. Para eles, não precisamos de políticas públicas que revertam desigualdades, não há a necessidade sequer de Estado. Vamos cortar tudo: secretarias, investimentos, políticas sociais etc. Basta valorizar a “história” e a “grandeza” do Rio Grande, sem falsas polêmicas. Afinal, não somos racistas, não é mesmo?
Por fim, não espere jamais ninguém por aí se declarar racista. E haverá mil justificativas para o desprezível artigo. Mas tenha certeza: a negação – do papel do Estado, do racismo, das desigualdades etc. – será o caminho daqueles que pretendem alimentar a desigualdade, o racismo e a intolerância nestas terras por muitos e muitos anos.
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