O texto foi escrito por Julio de Mesquita Filho, um dos donos do jornal, responsável por sua linha editorial — e um dos principais articuladores civis do golpe de 64. Julio Mesquita Filho gostava tanto do movimento que derrubou João Goulart que costumava definí-lo como “uma demonstração viva de fé democrática.” Nenhuma de suas críticas, portanto, pode ser colocada sob suspeita de simpatias indevidas. O editorial foi escrito no dia 12 de dezembro e publicado na manhã do dia 13 de dezembro de 1968. O jornal foi apreendido horas depois de sair da gráfica. Naquela noite, o governo do presidente Arthur da Costa e Silva anunciou o AI-5. O editorial tem um valor pelo que diz, na hora em que diz - e por quem diz. O texto é longo, com argumentos a cada parágrafo, considerações e ponderações variadas, num exercício de análise política que sugere um trabalho de vários dias. No último parágrafo, a conclusão refere-se ao acontecimento da hora, que foi a recusa do Congresso em cassar o mandato de Mário Moreira Alves, como exigiam os comandantes militares.
Difícil questionar o conhecimento de Julio Mesquita Filho sobre os bastidores do regime, suas lutas internas e fragilidades. A leitura do texto permite vários níveis de interpretação, conforme a intimidade de cada leitor com as tramas e articulações do período. No dia em que o AI-5 foi proclamado, o editorial descreve a situação do regime como “desmantelamento total” e diz que se encontra “por um fio.” Também define a situação do país como “mal-estar geral.” Por que?O texto não se refere a nenhum adversário. Chega a tratar os protestos estudantis de 1968 de forma paternal, dizendo que “a desordem passou a campear nos arraiais estudantis.” O texto localiza o verdadeiro problema no próprio governo.
Sempre referindo-se ao presidente da Republica como “s. exa.”, o editorial fala de Costa e Silva como um general que nunca compreendeu a diferença entre a carreira militar e o ofício de presidente da República. Diz que a convicção de que “bastar-lhe-ia empregar a experiência adquirida na carreira militar” para fazer uma boa gestão como Supremo Mandatário do país fez com que assumisse a presidência “de ânimo leve” e com uma “euforia” de curta duração e um “otimismo inconsistente.” Mas, incapaz de perceber “os sinais precursores dos grandes terremotos, se mantinha s. exa acima dos acontecimentos, na ilusória suposição de que tudo ia pelo melhor.” Até que o “ex-general de Exército, habituado a não admitir que lhe discutam as ordens”, viu que “a desordem passou a campear nos arraiais estudantis, ao mesmo tempo em que, ante o mal-estar geral, o clero revoltoso fazia sentir sua presença até mesmo nas praças públicas.” O descontentamento era tamanho, diz o jornal, que “dentro dos próprios limites do feudo aparentemente submisso a vontade do Palácio da Alvorada não se passva dia sem que se manifestassem sintomas de insurreição latente.” Essa era a situação do país no dia 13 de dezembro de 1968. Paulo Moreira Leite.
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