sábado, 13 de dezembro de 2008

AI-5 UMA VERGONHA HISTÓRICA

Quem vai te contar como foi o AI-5?
Como sempre acontece em países onde a memória histórica é um processo turvo, a história do AI-5 — e do regime militar — corre o risco de virar uma questão de opinião. Quarenta anos depois daquela data tristemente histórica de 13 de dezembro de 1968, os adversários dizem que foi mais um ato de truculência. Quem apoiava a ditadura, sustenta que o AI-5 salvou o país do comunismo. Uma boa forma de conhecer o Brasil daquele tempo de forma realista encontra-se num texto clássico: “Instituições em Frangalhos,” editorial do jornal O Estado de S. Paulo.

O texto foi escrito por Julio de Mesquita Filho, um dos donos do jornal, responsável por sua linha editorial — e um dos principais articuladores civis do golpe de 64. Julio Mesquita Filho gostava tanto do movimento que derrubou João Goulart que costumava definí-lo como “uma demonstração viva de fé democrática.” Nenhuma de suas críticas, portanto, pode ser colocada sob suspeita de simpatias indevidas. O editorial foi escrito no dia 12 de dezembro e publicado na manhã do dia 13 de dezembro de 1968. O jornal foi apreendido horas depois de sair da gráfica. Naquela noite, o governo do presidente Arthur da Costa e Silva anunciou o AI-5. O editorial tem um valor pelo que diz, na hora em que diz - e por quem diz. O texto é longo, com argumentos a cada parágrafo, considerações e ponderações variadas, num exercício de análise política que sugere um trabalho de vários dias. No último parágrafo, a conclusão refere-se ao acontecimento da hora, que foi a recusa do Congresso em cassar o mandato de Mário Moreira Alves, como exigiam os comandantes militares.

Difícil questionar o conhecimento de Julio Mesquita Filho sobre os bastidores do regime, suas lutas internas e fragilidades. A leitura do texto permite vários níveis de interpretação, conforme a intimidade de cada leitor com as tramas e articulações do período. No dia em que o AI-5 foi proclamado, o editorial descreve a situação do regime como “desmantelamento total” e diz que se encontra “por um fio.” Também define a situação do país como “mal-estar geral.” Por que?O texto não se refere a nenhum adversário. Chega a tratar os protestos estudantis de 1968 de forma paternal, dizendo que “a desordem passou a campear nos arraiais estudantis.” O texto localiza o verdadeiro problema no próprio governo.

Sempre referindo-se ao presidente da Republica como “s. exa.”, o editorial fala de Costa e Silva como um general que nunca compreendeu a diferença entre a carreira militar e o ofício de presidente da República. Diz que a convicção de que “bastar-lhe-ia empregar a experiência adquirida na carreira militar” para fazer uma boa gestão como Supremo Mandatário do país fez com que assumisse a presidência “de ânimo leve” e com uma “euforia” de curta duração e um “otimismo inconsistente.” Mas, incapaz de perceber “os sinais precursores dos grandes terremotos, se mantinha s. exa acima dos acontecimentos, na ilusória suposição de que tudo ia pelo melhor.” Até que o “ex-general de Exército, habituado a não admitir que lhe discutam as ordens”, viu que “a desordem passou a campear nos arraiais estudantis, ao mesmo tempo em que, ante o mal-estar geral, o clero revoltoso fazia sentir sua presença até mesmo nas praças públicas.” O descontentamento era tamanho, diz o jornal, que “dentro dos próprios limites do feudo aparentemente submisso a vontade do Palácio da Alvorada não se passva dia sem que se manifestassem sintomas de insurreição latente.” Essa era a situação do país no dia 13 de dezembro de 1968. Paulo Moreira Leite.

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